Thursday, November 02, 2006

porque a vida é assim. e a morte é assado?

praia, futebol, pagode e pinga. finados é o feriado. para cada lágrima sentida, um centena de arrotos aliviados. nossos cemitérios são, em vida, uma prévia do que seria o inferno, se ele já nao existisse por aqui. excetuando-se um ou outro "campo santo", onde a marmoraria cobre em sobre-vida a podridão de muitos que já fediam em vida, os cemitérios, mesmo em dia de finados, equivalem em imagens ao pior das filas do inss ou dos hospitais públicos nacionais. e aquele comerciozinho de flores e velas, de cheiro macabro, não é nada junto do comércio de buracos e madeiras quanto menos nobres mais os olhos da cara para famílias mais indigentes do que o morto que as deixa de mão na frente outra atrás.

talvez, em algum vilarejo do interior ainda haja a possibilidade de um "descanso" com um mínimo de inocência e decência, apesar do morto. que estes ultimamente não tem ajudado muito. flores campestres ou um matozinho teimoso qualquer, compôem a quase aquarela. ajudada por guardas-chuvas e sombrinhas, mesmo em dias de sol, quando não um pé de macaxeira ou jambeiro gordos, realizando a única transmigração de corpo e alma possível, ressucitando o pus e a podridão, no branco celeste da polpa da fruta que sorri para a boca, algumas já sem dentes, que alimenta-se com prazer de possíveis pedaços dos mortos que por certo destes não imaginou tamanha vingança.

nas urbes metrópoles, o formigueiro humano zanza por entre covas rasas, catacumbas, mausoléus, realizando a desdita do único privilégio humano frente aos deuses e animais: sabemos que vamos morrer e convivemos com isto nem tão bem nem tão mal que nos impeça de ir levando. vivemos com isto, com as consequências da certeza desta premonição do inevitável, que de tanto certa, nem nos damos ao trabalho de imaginar como será o ato final, porque tememos a morte tanto quanto a vida, muito embora em relação a esta disfarçemos ainda mais.

por isso, talvez, porque a vida é assim, e a morte é assado, no dia de finados, temos de um lado, quem celebra a morte como homenagem à vida. e faz do dia tudo menos espaço de diversão, pensamento, inconsciente ou inconsistente sobre a valorização dela. de outro, quem celebre a vida não deixando espaço para a morte, nem mesmo na lembrança, o que não deixa de ser uma boa desculpa para o aproveitamento dos prazeres humanos que um feriado ainda permite.

e há, ainda, os que conseguem morrer, no sentido solidário, e viver neste dia, dividindo o feriado entre dor e obrigação, prazer e descontração.

se a vida e a morte são diferentes ou indiferentes por conta disso, no sentido geral de humanidade, cada um faz da vida ou da morte seu juizo de valor.

quanto a mim enquanto vivo, vida. enquanto morte, morte. jamais morte em vida e vida em morte. por isso mesmo não vejo razão pro feriado, como se o restante do tempo, não houvesse finados e finórios. muito menos chamá-lo de santificado, já que não se pode mesmo dar feriado para vida, e chamar isso de morte. e tampouco, dar feriado a morte e chamar isso de vida.

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