Thursday, July 13, 2023

o guitarrista

mal entrado na adolescência, desejo ser um guitarrista cujos solos teriam o fio de uma navalha. deceparia o pudor das moças recatadas sem sequer um respiro e dos senhores da guerra, obteria troncos espalhados ao deserto, disputados a tapa por serpentes, aves, vermes e lagartos. soaria mínima, corte sutil, nota de passagem, sem desafinar os graves. mas isto aparando as unhas, pensei, samurais já faziam com suas espadas de aço, forjadas em rituais onde bramiam o som do silêncio que é vermelho em fogo e nunca branco, azul ou espelhado. hoje o guitarrista, que não fui, toca instrumentos domésticos, acariciando, se muito, colo de longevas adolescentes que no ouvido da memória ficam ainda mais castanho esverdeados quando vem as lágrimas mas que se tornam mais bonitas quando um imaginario rubor maquia as rugas do rosto. toco uma música só, sei, que nunca é repetitiva, porque por mais que tudo leve a crer que a vida tem momentos e pessoas em itens de repetição, nada se repete. nem a nota de passagem que o guitarrista em sustain entre escalas dos altos e baixos das cifras que lhe couberam tatuou no braço. e que soa sempre diferente a cada audição que a encontra. as pausas dão a esta nota um legato que me escorreu por entre os dedos. depois, das pausas, concertos, em sol ou dor maior, sempre em improviso, a vida afinando seu instrumento solo no diapasão da existência momento que me toca ou se esvai .

Thursday, July 06, 2023

politicamente co-reto

uma crença na qual aqueles que convivem com animais os encontrarão no infinito depois que esticarem as pernas, baterem as botas ou baterem a caçuleta povoa o imaginário de muitos.
muitos donos, palavra que não se usa mais, com o politicamente correto nos encorajando ou seria escorraçando? a nos chamar de tutores, por certo baseados na presunção de que podemos tutelar alguma coisa, muito menos a quem nos é muito superior. antes que quede estupefato, esbraveje ou desdenhe, reafirmo que é certo que um animal é incapaz de formular teorias no território da física nuclear mas por outro lado, quem entre nós, é capaz de caminhar, nadar, voar,  milhares de quilômetros sem gps,  bússola, quadrante, giroscópio que seja, de volta ao começo ou até o fim, girando e fazendo o mundo girar apenas com a memória instintiva? ante seu queixo caído pelo desconhecimento do sentido magnético da vida  -  a ignorância humana não admite o conhecimento imenso sobre as leis da vida que os animais de qualquer espécie absorvem e reproduzem num bater de asas, no cheiro, no toque e sabor, isso sem perder de vista o instinto e a capacidade de antever catástrofes, que nem com aparelhos de última tecnologia somos capazes de prever, até porque a idiotia e estupidez, cada vez mais reinantes,  nos transforma em agentes de catástrofes, inclusive a nossa própria -. 
voltando ao assunto inicial, se isso for verdade - do encontro com os animais que amamos e que por eles fomos,  muito mais, amados, direi, com a imodéstia e presunção que nos são tipicas, que, no meu caso, não será um encontro: vai ser um "comício". mas onde prometo estarei calado. até porque, a morte nos dá o dom de tudo dizer e perceber sem a necessidade de uma só palavra. inclusive a mais nefasta de todos que se chama deus. esta que tenta impedir o encontro do homem consigo próprio e com aquilo que ele tem de mais belo enquanto despido de si e exposto na pele de um animal, que mesmo morto, ainda assim continua a nos alimentar em vida até que chegue a hora de um encontro, que não se realizará porque já aconteceu. 

Monday, July 03, 2023