Tuesday, October 28, 2008

lusco-fusco

olhos verdes sargaço, era o mar. mar não, oceano.
olhos azuis estelares era o céu. céu, não era o universo.
olhos castanhos mel, era o próprio, próprio não, era mais que isso, sendo a pura própolis, a visão da colméia nua.
olhos negros como o petróleo, petróleo não, eram o pré-sal a superfície.
olhos cinza fôscos, nenhum brilho à vista, mais ainda assim não havia nenhum prenúncio da escuridão que lhe poria fim ao lume para todos os olhos que não tem a correspondência da visão de quem apenas enxerga pela imaginação.

Now playing: The Flying Burrito Brothers - Just Can't Be via FoxyTunes

Thursday, October 23, 2008

item de bagagem

andava a procura do lugar que imaginava tornaria tudo diferente. um lugar só seu, tão seu que nenhum outro lugar pareceria igual. mas o que precisava ser diferente era o próprio. do jeito que estava, não iria mesmo a lugar nenhum que não fosse ele. o que dava no mesmo de sempre: ficar a pensar num lugar diferente.
Now playing: Brett Anderson - A Different Place via FoxyTunes

Tuesday, October 21, 2008

um quase bocejo

tenho dormido pouco ou quase nada ultimamente. não se trata de insônia ou de algum castigo posto. o dia é pouco para quem não tem nada a fazer. para se ficar na mais completa vagabundagem seriam preciso no mínimo quarenta e oito horas só para o período vespertino.

o nada fazer toma um tempo absoluto do fazer tudo mesmo que ele se traduza em nada neste momento.

há tantos sonhos por dormir que por enquanto é melhor não acordá-los.


Now playing: sondre lerche - sleep on neddles via FoxyTunes

Sunday, October 19, 2008

lazer invertido

em dias de domingo, só pra variar, deviamos todos subir o morro como descem os meninos do morro para a praia. desconfio que, sem revanchismos, e sem paternalismo, sairiamos ganhando, inclusive o espírito de meninos outra vez.
Now playing: Milton Banana - O menino desce o morro via FoxyTunes

Monday, October 13, 2008

passeio vespertino à beira-mar

um pouco de ar marinho vai me fazer bem no final da tarde. e lá vou eu, iludido, mirando pombos em orlas que não tem gaivotas e onde os ratos afugentam gatos, mal respeitando chusmas de cães que vão vivendo enquanto podem por alí.

se isso já não era um prenúncio, as narinas trazem-me a verdade em flagrância que nos é a todos familiar. maresia? qual nada. o mais profundo e inequívoco cheiro de bosta, que antevem mancha marrom a brotar tripudiando do verde daquilo que já foi meu mar.

de graça resta a placa que alerta aos turistas sobre a possibilidade, bem concreta, de ataque dos tubarões. quer dizer, se eles ultrapassarem - tubarões e humanos - não a barreira de coral mas a de bosta daqueles que a fizeram e contemplam da varanda dos novos edifícios a beira-mar da primeira cidade patrimônio-cultural do país.

moral da história: ou a nossa cultura é uma merda ou nosso maior patrimônio agora é bosta.

Now playing: Agalloch - The Isle Of Summer via FoxyTunes

Sunday, October 12, 2008

a tensão ao cruzar a linha


ultrapassada a linha, a maioria pensa logo em voltar. por poucos metros que sejam, a distância da volta metamorfoseia-se em quilométrica. e, para piorar, nada do que você deixou lhe espera, mesmo quando abre os braços para você.

a linha que separa o que foi e o que pode ser, é justamente você. e ainda assim, são poucos os que cruzam a linha com algo mais que tesão.





Now playing: Brett Anderson - Knife Edge via FoxyTunes

Wednesday, October 08, 2008

moldura ou: creme dental com flúor

".... quando olho no espelho, estou ficando velho e acabado".

o velho hit do cassiano bateu hoje de frente com a minha imagem. velho e acabado? pergunto a mim mesmo ainda mais trincado: por dentro, ou por fora, o que mais velho e acabado?

a vaidade, ou talvez um resto de afirmação da sobrevivência, procura saídas frente a imagem, que ainda consegue sorrir diante dos sete anos de azar a mais. talvez esta a melhor resposta. ainda consigo cuspir diante das "questões existenciais", levantadas pela mente sonolenta de quem ainda acorda com dantes.

diante da falsa idade do dilema que tem lá a sua verdade, a testa franze mais: o que seria pior? estar mais velho e acabado por dentro ou por fora?

bem, pior que isso, só mesmo os dois ao mesmo tempo, gargarejo.

termino de escovar os dentes e desembaço a imagem do espelho. por hoje ainda dá pro gasto. amanhã estarei melhor do que ontem, se não fossem estas olheiras que a espuma de outras manhãs as vezes esconde.




Now playing: cassiano - a lua e eu via FoxyTunes

Thursday, October 02, 2008

o futuro do antigamente

saudosos estão sempre a dizer que antigamente é que era. isso e aquilo, antigamente é que era bom.
eu, quero saber é como vai ser o antigamente do futuro.

Now playing: zuco 103 - fome total via FoxyTunes

Wednesday, October 01, 2008

pena por pena

imaginar que confinamos seres que não sabem o que é limitação de espaço a um espaço exiguo e "humanamente" preparado sempre me causou uma enorme confusão.

sempre que passo por alguma varanda ou cômodo onde vejo gaiolas com passarinhos, lembro-me que o canto da liberdade assoviado por aqueles bicos é soprado sempre por um apito violentado no furo no peito da ave em vida empalhada. não se consegue imaginar a dor de um ser de asas sem vôo em plena vida por toda uma vida. nem mesmo os que vivem na prisão chegam perto, por mais miseráveis que sejam as suas condições.

?que espécie somos nós, capazes de cantar hinos a liberdade e tornar este mesmo canto tão sufocado, tão aguilhoado, tão mesquinho, tão dilacerado? temos ouvidos assim tão tôscos? que escutando a melodia da tristeza saudamô-na apenas como beleza conquistada em cárcere privado?

creio que para todas as espécies, seria muito melhor que o homem desaparecesse da face da terra. só assim a liberdade a habitaria por completo.

mas desejar isso não seria pregar uma espécie de liberdade condicionada?

da minha gaiola digo que as aves – e alguns homens – não deveriam nunca escutar o canto da liberdade na forma como lhe soam os pássaros com e sem penas. apenas imagina-lo-íamos de uma forma tal, que nunca os pudéssemos aprisionar no que quer que fosse, sequer no pensamento.

e assim, permanecendo livre, quanto mais inatingível, maior a liberdade de nunca tê-los como objeto de domínio, posse, cativeiro ou escravidão.

os sonhos de quem não tem asas são sempre diferentes de quem as tem, inteiras ou partidas. aprisionadas ou perdidas e pior ainda: sequer percebidas




Now playing: yothu yindi - Tribal Voice via FoxyTunes