Wednesday, July 29, 2015

a receita desta tal felicidade

bom, se você chegou até aqui atrás desta receita, certamente você não deve lá ser uma pessoa lá muito feliz ou no mínimo um crédulo, do tipo que cai em contos do vigário no mundo digital ou no real.

mas vamos lá, já que chegou até aqui por infelicidade - e nem cabe dizer para minha ou sua felicidade - de modo que não seríamos nós que vamos lhe dar mais uma deixando-o bater com a porta na cara.

andando por ai, num destes portais da web, numa matéria pífia, daquelas muito toscas, cujo título já avisa que se você o engole é lá um infeliz d´um imbecil ("isso vai mudar a sua vida: 22 citações sobre felicidade") desperta-me a atenção para algo que julgo ser oportuno e verdadeiro: se você está a procura da felicidade, tire seu cavalinho da chuva porque não vai achar. a felicidade é que acha você. e nem adianta seguir dicas, preceitos religiosos(o tal sou feliz em cristo é recibo com firma reconhecida de um infelicidade eterna e abissal) acender incensos, enfim: apelar para quem quer que seja, por mais que seja um cidadão ou cidadã(tenho dúvidas que alguém hoje seja ou possa ser cidadão ou cidadã de verdade). resumindo: não basta ser bom para ser feliz; tampouco fazer o bem sem olhar a quem. a felicidade é algo tão enganoso que tem muito malvado feliz. canalhas então, aos montes. aliás você já viu algum canalha infeliz? canalhas infelizes não seduzem nem engrupiam ninguém. de modo que se sentir injustiçado por isso já é um dos passos agalopados para ser mais infeliz ainda.

a felicidade é assim, algo como, uma espécie de loteria, que dura o tempo da notícia do resultado. ou seja: você exulta, extasia-se e quando vê, ejaculação precoce dura mais. mas não sinta-se infeliz por isso( você se sentiria infeliz por atingir o orgasmo? e não faça outras ilações porque ninguém é forçado a ser feliz, muito embora a felicidade seja uma coisa violenta para uns tantos - "hapiness is a war gun" -.

ao que parece, um preceito budista, os que praticam o desapego, inclusive a da tal felicidade(dizem lá os budistas que o desejo é que nos faz sofrer) é que tem mais chance de ser feliz, muito embora ao que se vê cá de fora(quem realmente vê o humano por dentro, sequer ele mesmo?) parece ser uma felicidade boring a toda prova.

digo-lhes mais, não estou minimamente feliz por estar escrevendo isto (o escritor nunca é feliz quando escreve - pardon me por autodenominar-me de escritor, coisa que não sou, apenas um amealhador de palavras) mas também não me é um fardo pesado tanto ou quanto esta tal obsessiva procura da felicidade, uma tal orquídea que não dá em jardineira de parapeito, e que costuma assentar-se melhor a beira dos vulcões, profundezas abissais, alturas everestianas ou canyons d´alma que não se sabe tão vertiginosos na descida ou na subida.

mas confesso-lhes que hoje, manhã de inverno, em que o sol teimou em aparecer, não foi ele que me fez feliz: mas sim a leve garoa que gotejou o meu rosto com delicadeza e me fez repensar as razões do arco-iris.

esta felicidade, sou levado a pensar, é uma espécie de lolita, que nos tresanda desejá-la mas tamanha a interdição acabamos por não ver: ou que ela cresceu ou que quando a pudemos possuí-la éramos garotos ou velhos demais e não sabíamos bem o que fazer com isso. 

destarte, arvoro-me a intuir que quem é infeliz com seu passado, dificilmente terá um futuro feliz. quanto ao presente? que presente? o presente não existe, tampouco a felicidade que nele pensávamos existir.

assim, se tudo é vago, se tudo é infinito e nada palpável, ter a felicidade nas mãos é como manter um pássaro na gaiola. a felicidade só é feliz lá onde não podemos alcançá-lá. e por isso mesmo só o pensamento tem asas. para que o corpo não seja ainda mais infeliz na sua constante queda para o nada.


p.s. aqui algumas das tais lições sobre a tal felicidade encontradas na matéria do tal portal(definições você vai encontrar aos milhões tal qual como o hamburguer tornou-se o X-tudo):


Felicidade é achar... duas azeitonas no seu martini quando você está com fome". johnny carson,apresentador,comediante,escritor. 1925-2005.


"Ser estúpido, egoísta e saudável são os três requisitos para felicidade. Mas, se a estupidez lhe falta, tudo está perdido". Gustave Flaubert, escritor francês(não conhecer flaubert já é uma prova de infelicidade) 1821-1880.


"Pergunte a si mesmo se você é feliz, e então você não estará mais"

John Stuart Mill, filósofo inglês (1806 - 1873). 


"Não ter algumas das coisas que você quer é a parte indispensável da felicidade."
Bertrand Russell, filósofo inglês (1872 - 1970).  

"Um salário grande é a melhor receita para a felicidade que eu já ouvi"
Jane Austen, escritor inglês (1775 - 1817).


"Uma das regras universais para ser feliz: sempre desconfie de qualquer item útil que seja mais leve que o manual de instrução"
Terry Pratchett, escritor inglês (1948 - 2015).


“Você, sua alegria e suas tristezas, suas memórias e ambições, sua identidade pessoal e livre vontade, são na verdade nada mais do que o comportamento de um vasto conjunto de células nervosas e suas moléculas associadas." 
Sir Francis Crick, biólogo e biofísico inglês (1916 - 2004)


"A felicidade da sociedade é o fim do governo"
John Adams, segundo presidente dos Estados Unidos (1735 - 1826).

" A felicidade é um tiro pela culatra. Até porque na grande maioria das vezes fazemos mira nas coisas e não nas pessoas. E quando nas pessoas, erradas. (Misterwalk)


 

Saturday, July 25, 2015

o futurista não é um visionário assim como o comunista não é um utópico, embora todas as coisas se misturem

ó delicados!
vós que pousais o amor sobre terno violinos
ou, grosseiros que o pousais sobre os metais!
vós outros não podeis fazer como eu,
virar-vos pelo avesso
e ser todos lábios.


Lápide de Wladimir Majakowski Grabstein Moskau", cemitério Nowodewitsche,por Marco Hönig 

Sunday, July 19, 2015

atonal

não é que ela não me amasse. amava sim. mas com o desespero do afogado. aquele que se agarra - e mata - a seu salvador. sem chance de sobrevivência para nenhum dos dois. ou de qualquer coisa que nos acercasse. 

convenhamos que o fundo é pra lá de assustador para quem não tem o preparo de um guarda(salva)vidas ser amado deste jeito. deixa qualquer um muito mais em ponto de angústia do que desvelo ou desejo. já quase sem ar, sentia-me como um sufocado, um claustrofóbico, coisa que nunca fui. apesar de tanto mar e apesar dos pesares, desde já algum tempo antes sabia que não conseguiria ir adiante, para o alto, e acima, com um cadáver agarrado a minha perna. já havia visto isto em filmes daqueles onde o amor faz água. 

e no meu filme ficou mais do que claro naquele momento em que se engole água, em que falta o ar, em que o nariz salga e que se respira pela boca, que na hora de decidir quem engole quem, o instinto de sobrevivência iria se impôr. e ditou que eu não eu iria soçobrar. deixei-a e tudo o mais à deriva, por mais atônito e controverso que fossem o rosto e o sentimento do afogado e daquele que se salvou.

sozinho, como diria o poeta, " retornaria dos meus naufrágios". não o faria se estivesse, ainda pior que fosse mal, bem acompanhado o que já não era possível dada a dependência do boca a boca. por isso antes do último bafejo, desvencilhei-me do abraço e respirei fundo o antes só do que soçobrado para o fundo mais fundo do que já havia alcançado.lá onde semi-submerso há tanto tempo quase não sentia que já há mais tempo do que me informavam meus pulmões: e cuspi mares, sargaços, dores e agonias, como se de súbito retirassem sacos de lixo em estômagos de tartarugas, porém sem que tivesse de rasgar meu estômago, tendo no meu ainda pedaços de isopor. 

o oxigênio de outras possibilidades enfunou meus alvéolos. enfim livre da respiração que se queria geminada mas que a tudo aturdia como se salvar fosse a mesma coisa que matar.

por fim chego a areia de outros litorais. a dormência dos dedos membros engelhados não me fazem ainda pisar em terra firme com maiores certezas. mas o calor da caminhada até o coqueiral deve dissipar toda e qualquer marca de mãos que se agarraram em mim e quase ditaram um fim. esticado até onde não se pode alcançar porque a razão.

em algum lugar do amar provavelmente ainda boiam outros pedaços de isopor. mas isso já não me importa se pra lá de partido ou mordido. quando se escapa deste sufoco, das duas uma: ou se fica traumatizado, e se tem panes de asma - e  isto leva a outro tipo de afogamento, ou se respira fundo e expele-se toda e qualquer memória de água dos pulmões, dando novo fôlego ao coração, ao cérebro, ao sexo, a vida.

por enquanto, e para o nosso bem, digo pra mim mesmo, água, só de coco. depois logo se vê. e que saibam todos que o de outras águas não beberei, tal como qualquer outra coisa não dura para sempre. como nem mesmo a agonia de quem se afogou porque sequer deixou o sentimento respirar.





Monday, July 13, 2015

falsa sustentabilidade

do mal cortado fundo de garrafa pet faço um comedouro de urgência que sei não resolverá as minhas tampouco a de quem lhe destino. 

mas é o suficiente para que seja improvisado um comedouro para que o gato largado ao desprezo da rua faça as refeições que lhe propus dar. 

uma gota no oceano eu sei. no espaço das calçadas contíguas ao meu quarteirão lhes são postos maremotos em dezenas de fundos de garrafas salpicados de veneno junto com a comida que os gatos impiedosamente devoram sem lhes saber que outra fome comerá suas entranhas.

de alguma forma isto também comerá as minhas e, certamente, as do gato que hoje acerta a minha pet que penso em eliminar como suporte para que o gato não confunda as coisas como o fazem todos os viventes em vida, tanto faz se incerta ou certa.

na rua alguém alimenta a morte enquanto quase ninguém alimenta a vida.
é a vida, fazem do dito falso desfecho. por quê na verdade é a morte. que será sempre mais cruel não só para os gatos, mas também para quem dá o veneno que, se lancinante nos gatos, neles, nos dadores de veneno, é de efeito lento e exasperante, pois maledetamente são velhinhos que não mais contemplam os gatos como alimento de esperança e sim como sentença da sua pena. 




Tuesday, July 07, 2015

conversão proibida

"não tenho tudo que amo mas amo tudo o que tenho" é uma das piores bobagens que já vi em matéria de auto-piedade disfarçada de tirada magnânima. e que acaba penduricalho em algum para-choque de caminhão ou emplastrado em carro popular daqueles que não se sabe bem qual é a cor da pintura tamanho o desgaste e os remendos.

se visse isso num porsche - sim eu prefiro os porsches as ferrari mas porsche nenhum chega aos pés de um bom e velho jeep, dai porque - até acharia piada, mesmo que fosse a expressão de um humor um tanto quanto dândi.

mas como não, fico com a verdade dos fatos devidamente convertida: não tenho tudo que amo, consequentemente não amo tudo que tenho. dizer que sim, isto sim seria pobreza de vida para além dos vidros traseiros trincados e muito mais para os dianteiros embaçados.

a vida nem sempre é amável, e é por isso que ela é o que é. as vezes chega a ser miserável já que ela nos faz ter a obrigação, miserável, mesmo que miserável - de espírito e de carteira -  você não o seja -  de ter de respirar e seguir em frente, muitas vezes a um custo que não é pouco, e nem um pouco amável.

deste modo nem tudo que você tem - seja pessoa ou coisa - pode ser amado, ao menos como deveria, se você é daquele que acha que nasceu para o descalabro do amarmos uns aos outros, e tome lá na outra face. creio que deste modo, isto sim seria findar desalmado com o que realmente merece algo mais que ser amado em filosofia de adesivo ou para-choque.

muitas e muitas vezes não gostar é a melhor forma de amar ou preservar o que seja lá isto seja. compreender isto já é uma seria uma maneira de se auto-amar para além da filosofia do para-choque e do adesivo emplastrado que por mais que se distancie da realidade não nos leva muito longe, e muito menos a lugar nenhum que não seja um nada daqueles que realmente não valerá a pena o trânsito nos brônquios.

então das duas uma: abandone de vez o para-choques, como o fazem certas gentes que se atiram a vida de peito aberto, o que é sempre temerário e por isso mesmo exige peito, ou então adote uma filosofia, se não menos rasteira, que seja menos pomposa que a sua boleia na dita cuja vida que é ainda mais curta que o conselho.











Saturday, July 04, 2015

futuro mais que perfeito

eu não sei.
eu aprenderei.
então farei tudo de novo.
e de novo, novamente, até aprender que eu não sei. mas aprenderei.