Sunday, May 27, 2018

da falta de visão ampliada*



a presbiopia veio, como é de se esperar, por volta dos quarenta e poucos, o que é sempre muito pouco quando se vive de olhos abertos para o que vier.

a falta de visão para longe, mais tarde, dez anos depois, mais ou menos, a memória talvez já acompanhando a falta de visão.

acostumado, por formação - ou deformação - profissional a focar nos detalhes, e neles buscar, para o bem e o mal, a diferença, sem óculos, perde-se, por assim dizer, o distanciamento crítico. é o que acontece agora quando estou sem lentes.

ao mesmo tempo, surge uma nova maneira de ver as coisas - na verdade de não ver - o universo turvo, ao contrário do que poderia se pensar, é mais bonito, as mulheres, por exemplo, principalmente. sem lentes, inclusive as do amor, todas são belas. não há imperfeição. vê-se, ou melhor é tudo uma programada ilusão de óptica. a loura fatal, onde de loura apenas a tintura que lhe corrói o tônus, a depender dos nossos reflexos ressurge teen.

na verdade, descobri este novo dom da visão por esquecimento dos óculos. como sem eles apenas perco os detalhes, mas continuo tendo a visão do todo, arrisquei dirigir sem eles. e aí não deu outra: um mundo novo abriu-se para mim.

mulheres feias passaram a se sentir atraentes; homens carrancudos, não mais que de soslaio tornaram-se simpáticos, grupos grotescos tornam-se pitorescos e assim por diante. e de certa maneira, torno-me um mensageiro da felicidade, pois assim cego, nada me espanta; e a tudo reajo com a naturalidade da suspensão do susto pela ausência da percepção da forma esvaziada nos seus contornos, mas devidamente preenchida pelas expectativas de outras ânsias.

quem assim olhado, passada a sensação da impossibilidade internalizada do primeiro instante de recusa pelos olhos de quem sempre enxerga o mesmo, guarda lembrança para o resto dos dias destes. e, como dizem os especialistas em serem convocados para redundar nos tele-jornais , a autoestima aumenta e o bem estar se espalha, deixando todo mundo mais feliz neste desfoque acertado.

e como a felicidade é um tipo de crack de efeitos e duração ainda mais devastadora , não é de surpreender que isto vicie. dá mesmo vontade se sair sem óculos a todo instante, para ver a vida mais feliz. um vício dentro de outro chamado vida, do qual também é muito difícil largar por vontade própria, de maneira que vamos procurando enxergar o que nos mantém vivos mesmo que por desfoque os mais ou menos que vislumbramos enxergar.

e assim, apesar de todos os desenganos, que os acertos ou enganos da nossa visão boa ou má sempre acabam por nos trazer, ou para aqueles para os quais depositamos nosso olhar mais profundo ou equivocado, esta falta de visão ampliada nos conduz a amores cegos, cujo melhor é que não tateiam no escuro como fazem aqueles despertados pelo melhor da nossa visão.

no fundo, no fundo da retina, olhamos e sabemos que não está lá. nem sequer nos nossos olhos. é algo muito antes dela, também da formação da lágrima, e até do brilho que se recusa a nos espelhar como realmente somos em nossa mais completa escuridão.


publicado aqui mesmo em 27 de janeiro de 2009.

Thursday, May 24, 2018

it´s raining again, and again*


sempre cai, a chuva, em cima de quem não precisa.

nas horas mais imprecisas, seja homem, seja terra, seja bicho, seja grota, está lá, a molhar os ossos de quem já moles, e a empapar em fúria os sonhos de barro tornados lama, de quem agora só insônia, nunca mais sequer pesadelos.

não é esta, aquela, cuja falta murcha flores, atrofia frutos, e murcha peles e intestinos. esta chuva é o reverso do sol crescente do here come the sun. é água cheia de trombas, cornucópia de males a estoirar a caixa de pandora. de tão fininha molha o que mais se esconde.

não é mais forçoso, nem certo dizer, que a vida vem da água tão-somente. agora, a morte também, em dilúvios particulares, mais desastrosos que os coletivos, num molhar histérico e circunflexo. vem da chuva, a morte que não mais esgana, apenas engasga. e não é de meteoritos, nem tóxica. tampouco corredeira de lágrimas espremidas em lenços ou lençóis de vingança. é água mole mesmo. da natureza cada vez mais morta. derretendo, apodrecendo e liquidamente nos transformando em brutos sinais do fim de quem agora arrepende-se de não ter podido morrer seco.

contra esta chuva não há guarda-sóis.
Now playing: travis - why does it always rain on me viaFoxyTunes

originalmente publicado aqui mesmo lá pelos idos de 2009 em 30/01

Friday, May 11, 2018

per, plexo

perplexo é a palavra que quase todo mundo(eu sou um otimista) sabe o significado: 

irresoluto, indeciso, hesitante, espantando, atônito, e bem mais se você procurar;

mas e per e plexo? que a forma (perplexo) que quase ninguém - não tem como ser otimista neste caso, ou seria fim de caso, já que há uma separação? - sabe, sequer desconfia?

per, é uma preposição, considerada arcaica, de origem latina, que significa "por cabeça" e tem lá seu uso, "renda per capita", de per si, ou de forma, arcaica, sim senhor, "fazia tudo per amor ". atualmente, em contrações com os pronomes e ou artigos, aquela coisa de (pelo), a (pela), os (pelos), as (pelas), dizem os dicionários virtuais, já que no dia-a-dia ninguém se apercebe. 


plexo, é mais complexo: plexo é sinônimo de encadeamento, entrançado, entrelaçamento, porém de forma ainda mais intrincada quando o uso versa sobre os diversos tipos de plexo, quando a denominação dada refere-se a uma rede de nervos ou de vasos(plexo nervoso braquial ou plexo venoso da coroideia), por exemplo. um grande número de plexos é conhecido: nervosos, vasculares ou linfático, sendo alguns considerados mais dignos de referência, como o plexo anular, o plexo aórtico, braquial, asilar, basilar, axilar, a um número tal que encheria este post em todos os seus plexos, como se fosse linguiça, até chegar no plexo pudendo, que não por acaso é o plexo vesicoprostático.

agora fodeu! diriam alguns, de plexo preguiçoso, onde este sujeito que chegar com esta conversa, copiada, sim senhor, do tio google e do primo wiki?

aparentemente nada de per ou plexo a primeira vista, sequer perplexo, a segunda. apenas a constatação de que palavas soltas, assim como per e plexo e, principalmente, pessoas, significam, valem, são, muito mais quando estão separadas, na acachapante maioria dos casos, do que quando estão juntas; como no caso de perplexo, tal como nos querem fazer crer o romantismo exacerbado, que atribui a junção de duas pessoas pelo amor, protagonismos idílicos de uma união, medicamentosa até, onde este 1 formado se quer maior que a soma das partes. 

mesmo que por puro nexo, ocorra tal união, (e tanto ou quanto por falta dele) que é a ligação entre uma ou várias coisas, vínculo, conexão entre circunstâncias, acontecimentos, opiniões, ligação entre sujeito e o seu "predicado, na maioria dos casos a união é diminutiva de ambas as partes, resultando em soma frustante. aquilo que junta as pessoas, que se diz, no caso, amor, ao qual chegamos a atribuir o tal do nexo causal(não confunda com sexo casual) a que atribuímos a causa ao resultado, onde a circunstância e o efeito parecem, ainda assim ela acaba por ser diminutiva das partes em prol do todo, que é tacanho, já que alguém sempre se anula, quando não ambas as partes, outrora absolutas, sendo as tais metades complementadas apenas figura de retórica, salvo as que o fazem através das suas próprias imperfeições, já que a perfeição da soma não resiste aos noves fora.

assim, nem tão perplexo com o fato, de per si afirmo que mais vale um intercruzamento imbricado, o plexo, na mão, do que dois amores perplexos voando.









       

Sunday, May 06, 2018

do acabado poema do poeta incompleto

                                        


                                   "o inacabado é (o) meu, completo"