Friday, August 25, 2023

pássaros sem asas

medíocre vem do latim mediocris. ou seja: é o mediano. não é tão ruim mas também não é tão bom. é a sinapse entre o gigante e o minúsculo, a qualidade e a falta dela. e muitas vezes entre a criatividade e a cópia -  inconsciente. porque consciente já passa a ser mau caratismo, o que afeta não só o medíocre mas também o gênio. o humano na sua vivência descompromissada ou sem maiores ambições vive e convive muito bem com sua mediocridade. não é sequer impedimento para ser feliz. felicidade medíocre, obviamente. mas se há um tipo de humano e uma atividade onde a mediocridade é uma pedra no rim, uma leshimaniose, um furúnculo na bunda e total impedimento para a felicidade e verdadeira realização pessoal, é na arte. ser ou ser considerado um artista medíocre é a anátema que faz um passarinho sem asas se sentir privilegiado. a mediocridade para o artista é o pantano que o afasta do olimpo. sim, porque não há gênios medíocres muito embora alguns medíocres sejam gênios em não reconhecer a sua mediocridade e de arrastar seguidores com a sua ilusão ou retumbante cara de pau ( romero brito é o exemplo da vez). quando se tem a consciência da mediocridade enquanto artista tomam-se atitudes extremas para fugir dela ou digamos enganá-la. foi o que fez o guitarrista blueseiro robert johnson ao fazer um pacto com o diabo - outros preferiram o pacto com o absinto - e que acabou entrando para o clube dos 27 ( artistas que morreram aos 27) onde se destaca o jimi hendrix. lenda, fato? há quem diga que sim, que ele não era habilidoso até fazer o tal pacto. outra lenda ? é a de salieri em relação a mozart. compositor de recursos, ante a genialidade de mozart teria lhe caído mediocridade como cortina cerrada a seu brilho. mas o fato é que o artista medíocre é um condenado em vida por tal condição e em morte a viver, a depender do seu grau de mediocridade, do seu tempo e dos congêneres, como exemplo da ave que não voa, mesmo que aqui e ali enseje alcançar a linha do horizonte. por quê mesmo que a ultrapasse, por um bafejo de vento qualquer, será sempre arrastado para os medianos que regem seus impulsos por maior que sejam seus desejos e esforços para fugir da mediocridade. o medíocre consciente da sua mediocridade, que não se afasta do seu mister artístico em busca de algo onde não possa ser assim ou assado, é uma espécie de prometeu - aquele que por revelar, segundo a mitologia, o fogo do conhecimento aos homens, foi condenado a viver por toda eternidade acorrentado ao cáucaso com um corvo bicando o seu fígado diariamente. como era imortal e o fígado se regenerava a noite, no outro dia o corvo voltava todos os dias para todo sempre. moral da história: aos medíocres não lhes salva o figatil. não é a embriaguez do corpo ou do espirito que vai salvá-los dos corvos. a mediocridade na arte é uma condição insustentável para o artista como tal e que tem a consciência de que não há arte onde está presente a mediocridade.

a última valsa do amor

humanidade, movida pela ânsia de poder e rentismo desenfreado, reduziu as possibilidades do amor ainda florescer, ao ponto de que até o amor é suspeito e incriminado, contrariando a máxima de que o réu é inocente até prova em contrário. como os robôs e as bonecas infláveis são considerados pela maioria tara insípida, sobrou para os animais preencher este vazio de amor, o qual oferecem até à mão que os extermina. o rabo abanando do cão, o ronronar do gato, o cheirar do animal que não é costumeiro amar ou o deixar nos amar, é o que resta de ainda puro entre o céu e o inferno por onde o amor costumava transitar. mas isto também está em extinção. a chamada indústria pet infantiliza, distorce, exacerba o falso amor, em nome do lucro que não ama ninguém, sequer a sí próprio, pois o amor verdadeiro é um prejuízo, pensam eles e por isso mesmo engendram um fake amor na forna de babilaques para os quais os animais não dão a mínima, até se chateiam, quando não sofrem pela obrigação de ostentar estes símbolos de amor prensado em números sobretudo quantitativos. os cachorros de madame até sofrem da depressão que reflete este amor monetizado que também não resolve a depressão das madames. enquanto isso, em noite chuvosa, o sem teto e seu vira latas esquelético, dançam a dança da fome e do amor verdadeiro, num delírio de vida que muito provável não terá encore de outra valsa.