Sunday, January 29, 2017

o lado azul de bukowski



“Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?”
Pássaro azul de Charles Bukowski

Sunday, January 22, 2017

um conto da hora ? ( a modéstia me impede de dizer que sim ou que não) *






levei pilhinha no bolso. bazar de mercadorias com pequenas avarias – desde quando uma avaria é pequena? sentimental então é rombo - ; nada que me interessasse de imediato. mas pera ai? aqueles relógios de parede grandes e coloridos e olha o design dos números com cara de macarrão derretido. gostei. avarias, bem, vamos lá testar. um dois três, testando, não funciona, lascado trincado, vidro solto, funciona não funciona, funciona. oba! já levei o azul. mas tem verde e laranja trator. vamos testar. um dois três testando. funciona não funciona. ponteiro solto, máquina solta, botões soltos, uma mais lascado do que o outro. acho que não vai dar. deu. primeiro o verde, depois o laranja. no caixa a moça avisa: - cê sabe que as máquinas tem um probleminha, tem de trocar. no brasil aprende-se que probleminha é eufemismo de problemão. é como chamar bundão de bundinha(isto é um eufemismo reverso, minha senhora) achando que a dona da bunda não vai ficar incomodada. sabe como é: se você chega dizendo que a mina tem um bundão ela senta mão na tua cara porque você chamou ela de gorda. mas se disser que ela tem uma bundinha ... leva um tapa na cara porque ela acha que você tá dizendo que ela não tem bunda, logo ela com aquele bundão enorme.
mas ai diante do probleminha, eu, todo esperto, disparo: na-na-nina. estão funcionando eu testei, eu trouxe a pilha, me achando o máximo, como todo otário, que se desmancha com o ar de desdém da moça que dispara: - ah! É, bem eu Tô avisando, não tem troca.




chego em casa, e radiografo as paredes. o azul no quarto, não que azul seja de rapaz, é que azul lembra céu, tranquilidade, enfim, o que é bom para o sono.
no corredor o laranja, tipo semáforo, que é para ser visto de longe e alertar que depois dele vem o vermelho do atraso. e o verde? nada ver com as verduras, na lateral da cozinha.
mas pera ai. hora de dormir e sobe o ruído de uma catraca, de onde será que vem este ruído de tortura que parece comprimir sabe-se lá o que de quem? do relógio azul. pombas! no som ambiente do bazar, não dava para perceber. mas aqui na tranquilidade do quarto, soa como mastigado de amendoim. e os outros, nada, silenciosos e cumpridores irretocáveis na sua função de medir o tempo. então é simples: troco os relógios e acabou-se o probleminha(será que a moça do caixa tinha um bundinha ou um bundão, penso, pano rápido, enquanto troco o azul pelo verde.


e vamos aos sonos dos justos com tudo resolvido. súbito acordo no meio da noite, e nem um barulhinho, mas vê-se que os ponteiros estão movendo a catraca da vida muito embora você não perceba, salvo se for este o foco, o que não é o caso de quem queria dormir como um bebe – de onde raios tiraram esta expressão já que bebes não dormem parecendo mais uma catraca ensandecida com tanto choro e esperneio?


fui dormir e você me pergunta, dormiu bem? após trocar o azul pelo verde? e eu lhe respondo que não fiz  troca. é bom acordar e em vez de silêncio total ouvir algum barulho de vida que não seja o seu, ainda que seja o da catraca de um relógio de bazar com produtos com pequenas avarias.

são estas pequenas avarias, que não emitem sinais de vida fácil, que afinal vale a pena viver com e por elas, ainda mais que dormir com o silêncio total abafa qualquer possibilidade de vida para além do sonho da morte.



 * originalmente publicado no guardanaposdeescriturario.blogspot.com

Monday, January 16, 2017

Sunday, January 08, 2017

quando não é talento que lhe falta mas a fama, parabéns: você é mais um a viver o dilema de salter



antes que você se pergunte o que é salter - um dos dilemas da vida de muita gente,a ignorância sobre o que é realmente importante e o conhecimento, sequer absoluto, sobre o que não é, eu desenho: james salter foi, segundo a crítica e seus pares, um dos melhores escritores do século XX,(duvido que você seja capaz de citar um título dele - até pouco tempo eu também não sabia(ler já é outra história) mas que teve de lidar até o fim com a frustração de não ser famoso.

acontece que o tal dilema não é só o de salter mas de toda uma geração que, tendo algum talento, foi superada por uma geração esvaziada do dito cujo mas capaz de auto-valorizar-se a níveis massivos cultivando a imbecilidade, a estupidez, o vazio oco(isto não é pleonasmo, espero que você saiba o que é) num momento em que a possibilidade de instrução da humanidade nunca foi tão grande mas que paradoxalmente sua ferramenta panaceica finda por ser a caixa de pandora que descamba para as "redes bestiais" num caldo que é jorro de ódio, escárnio, fascismo, retrocesso, perseguição a tudo que for diferente do senso comum hegemônico, ou seja o chorume dos que apelam a deuses, família, moral, bons costumes, falsa correção política para garantir a sua volatilidade peidorrenta que se esgueira por entre a pulhice, a canalhice, as falsas crenças, tudo em nome, ora da fama, ora da manutenção do poder, que também é uma espécie de fama que, como a outra, também mata mas e mais para além do simbólico.

dilema, ora direis, quem não os tem? mas porra! dilema por não ter fama? fodido era por não ter talento, que parece não ser o dilema da cambada de autores que vendem milhares(o que já é muito para quem tem algum talento) ou milhões com as basbaquices de nada com coisa nenhuma enfeitadas em papel celofane que confere a merda aparência de chocolate.

enquanto isto, o trabalho meticuloso de alguns passa desapercebido quando não em branco. mas não seria isto uma espécie de reconhecimento, desde que evidentemente o talento bem haja, grife-se em bold? a perna manca do talento seria a sua sede de reconhecimento, e não pelos pares, mas pela ignaridade da massa? que não sabe a diferença entre broa e biscoito fino?


e se o dilema for a falsa questão de como reconhecer o verdadeiro talento? ora, ora, clamo por fedro, na ante-sala do zen e a manutenção de motocicletas quando a pergunta é feita: " o que é bom, e o que não é bom fedro? é preciso alguém para nos dizer isto ?

o dilema de salter foi ter sucumbido ao fracasso, não seu, mas da sua contemporaneidade. como já o disse mui bem nietzsche, alguns nascem póstumos. seria salter um deles? não é um dilema para quem fica, sequer para quem vai, a falsa angústia do serei enfim reconhecido? então viver é uma luta insana para o reconhecimento? 

a mim quero crer que não. faço o que posso e acredito. se for bom, ótimo, reconhecido, para mim nem tanto, uma merda, fazer o quê? fi-lo porque qui-lo, porque tive vontade e nenhum dilema. a vida- e a morte- ficam bem melhor assim, inclusive a vida dos escritores.




  • Como ficcionista, Salter construiu, ao longo de décadas, uma reputação por ser um narrador conciso e lírico, pouco conhecido do grande público, mas admirado – cultuado – por outros escritores e críticos literários. Muitos o colocavam entre os melhores do século XX. O epitáfio que mais circulou depois de sua morte no dia 19 de junho, aos 90 anos, foi uma descrição do jornalista Nick Paumgarten, num perfil de 2013 da mesma revista que não aceitara seu conto décadas antes. No artigo, Paumgarten diz que Salter não é um “escritor de escritores”, mas um “escritor de escritor de escritores” (a writer’s writer’s writer) ( O PARÁGRAFO ACIMA PERTENCE AO ARTIGO DE ALEJANDRO CHACOFF  http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-106/obituario/o-dilema-de-salter




Sunday, January 01, 2017

retrato do artista enquanto jovem

o apuro no vestir ainda mais apurado nos seus textos



aos 90 anos, "mais afiado do que nunca "

lamento informar-lhe caro leitor sobre o engano que o óbvio representa nesta página, para além do que nele escorrega a vida. 

o retrato do artista enquanto jovem não é o " estiloso" em p&b. o retrato do artista enquanto jovem é este mesmo do "vampiro de curitiba", o homem de boné algo estupefato com a câmera que, como alguns sabem, é um recluso e inimigo da exposição e de quem o revela - chegou a romper com amigos apenas por deram entrevista sobre ele(quer repente ou "piti" adolescente mais jovem?) e é simplesmente um dos, senão o maior escritor brasileiro vivo, muito vivo e tão jovem como nunca fomos dantes.

vir a este mundo e não ler dalton trevisan é muito mais que uma pixotada: é estar enterrado morto para além do pensamento vívido.