Sunday, January 22, 2017

um conto da hora ? ( a modéstia me impede de dizer que sim ou que não) *






levei pilhinha no bolso. bazar de mercadorias com pequenas avarias – desde quando uma avaria é pequena? sentimental então é rombo - ; nada que me interessasse de imediato. mas pera ai? aqueles relógios de parede grandes e coloridos e olha o design dos números com cara de macarrão derretido. gostei. avarias, bem, vamos lá testar. um dois três, testando, não funciona, lascado trincado, vidro solto, funciona não funciona, funciona. oba! já levei o azul. mas tem verde e laranja trator. vamos testar. um dois três testando. funciona não funciona. ponteiro solto, máquina solta, botões soltos, uma mais lascado do que o outro. acho que não vai dar. deu. primeiro o verde, depois o laranja. no caixa a moça avisa: - cê sabe que as máquinas tem um probleminha, tem de trocar. no brasil aprende-se que probleminha é eufemismo de problemão. é como chamar bundão de bundinha(isto é um eufemismo reverso, minha senhora) achando que a dona da bunda não vai ficar incomodada. sabe como é: se você chega dizendo que a mina tem um bundão ela senta mão na tua cara porque você chamou ela de gorda. mas se disser que ela tem uma bundinha ... leva um tapa na cara porque ela acha que você tá dizendo que ela não tem bunda, logo ela com aquele bundão enorme.
mas ai diante do probleminha, eu, todo esperto, disparo: na-na-nina. estão funcionando eu testei, eu trouxe a pilha, me achando o máximo, como todo otário, que se desmancha com o ar de desdém da moça que dispara: - ah! É, bem eu Tô avisando, não tem troca.




chego em casa, e radiografo as paredes. o azul no quarto, não que azul seja de rapaz, é que azul lembra céu, tranquilidade, enfim, o que é bom para o sono.
no corredor o laranja, tipo semáforo, que é para ser visto de longe e alertar que depois dele vem o vermelho do atraso. e o verde? nada ver com as verduras, na lateral da cozinha.
mas pera ai. hora de dormir e sobe o ruído de uma catraca, de onde será que vem este ruído de tortura que parece comprimir sabe-se lá o que de quem? do relógio azul. pombas! no som ambiente do bazar, não dava para perceber. mas aqui na tranquilidade do quarto, soa como mastigado de amendoim. e os outros, nada, silenciosos e cumpridores irretocáveis na sua função de medir o tempo. então é simples: troco os relógios e acabou-se o probleminha(será que a moça do caixa tinha um bundinha ou um bundão, penso, pano rápido, enquanto troco o azul pelo verde.


e vamos aos sonos dos justos com tudo resolvido. súbito acordo no meio da noite, e nem um barulhinho, mas vê-se que os ponteiros estão movendo a catraca da vida muito embora você não perceba, salvo se for este o foco, o que não é o caso de quem queria dormir como um bebe – de onde raios tiraram esta expressão já que bebes não dormem parecendo mais uma catraca ensandecida com tanto choro e esperneio?


fui dormir e você me pergunta, dormiu bem? após trocar o azul pelo verde? e eu lhe respondo que não fiz  troca. é bom acordar e em vez de silêncio total ouvir algum barulho de vida que não seja o seu, ainda que seja o da catraca de um relógio de bazar com produtos com pequenas avarias.

são estas pequenas avarias, que não emitem sinais de vida fácil, que afinal vale a pena viver com e por elas, ainda mais que dormir com o silêncio total abafa qualquer possibilidade de vida para além do sonho da morte.



 * originalmente publicado no guardanaposdeescriturario.blogspot.com

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