Sunday, July 19, 2015

atonal

não é que ela não me amasse. amava sim. mas com o desespero do afogado. aquele que se agarra - e mata - a seu salvador. sem chance de sobrevivência para nenhum dos dois. ou de qualquer coisa que nos acercasse. 

convenhamos que o fundo é pra lá de assustador para quem não tem o preparo de um guarda(salva)vidas ser amado deste jeito. deixa qualquer um muito mais em ponto de angústia do que desvelo ou desejo. já quase sem ar, sentia-me como um sufocado, um claustrofóbico, coisa que nunca fui. apesar de tanto mar e apesar dos pesares, desde já algum tempo antes sabia que não conseguiria ir adiante, para o alto, e acima, com um cadáver agarrado a minha perna. já havia visto isto em filmes daqueles onde o amor faz água. 

e no meu filme ficou mais do que claro naquele momento em que se engole água, em que falta o ar, em que o nariz salga e que se respira pela boca, que na hora de decidir quem engole quem, o instinto de sobrevivência iria se impôr. e ditou que eu não eu iria soçobrar. deixei-a e tudo o mais à deriva, por mais atônito e controverso que fossem o rosto e o sentimento do afogado e daquele que se salvou.

sozinho, como diria o poeta, " retornaria dos meus naufrágios". não o faria se estivesse, ainda pior que fosse mal, bem acompanhado o que já não era possível dada a dependência do boca a boca. por isso antes do último bafejo, desvencilhei-me do abraço e respirei fundo o antes só do que soçobrado para o fundo mais fundo do que já havia alcançado.lá onde semi-submerso há tanto tempo quase não sentia que já há mais tempo do que me informavam meus pulmões: e cuspi mares, sargaços, dores e agonias, como se de súbito retirassem sacos de lixo em estômagos de tartarugas, porém sem que tivesse de rasgar meu estômago, tendo no meu ainda pedaços de isopor. 

o oxigênio de outras possibilidades enfunou meus alvéolos. enfim livre da respiração que se queria geminada mas que a tudo aturdia como se salvar fosse a mesma coisa que matar.

por fim chego a areia de outros litorais. a dormência dos dedos membros engelhados não me fazem ainda pisar em terra firme com maiores certezas. mas o calor da caminhada até o coqueiral deve dissipar toda e qualquer marca de mãos que se agarraram em mim e quase ditaram um fim. esticado até onde não se pode alcançar porque a razão.

em algum lugar do amar provavelmente ainda boiam outros pedaços de isopor. mas isso já não me importa se pra lá de partido ou mordido. quando se escapa deste sufoco, das duas uma: ou se fica traumatizado, e se tem panes de asma - e  isto leva a outro tipo de afogamento, ou se respira fundo e expele-se toda e qualquer memória de água dos pulmões, dando novo fôlego ao coração, ao cérebro, ao sexo, a vida.

por enquanto, e para o nosso bem, digo pra mim mesmo, água, só de coco. depois logo se vê. e que saibam todos que o de outras águas não beberei, tal como qualquer outra coisa não dura para sempre. como nem mesmo a agonia de quem se afogou porque sequer deixou o sentimento respirar.





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