Thursday, April 12, 2007

são josé das piranhas


era para ser na sexta-feira santa. casava com a idéia. mas agnósticos e ateus não tem este feriado e seguem trabalhando duro como bacalhaus, que não brasil não passam de pirulitos que deixam os mais velhos com saudades do tempo da guerra onde fartas postas eram comida de pobre. e assim este post não saiu na sexta para ser exato na medida do assunto.
mas isso não invalida os percalços, nem a ápia vida do personagem.

josé tinha uma certa formação católica. batizado fora, comungara idem. ainda lembra da primeira comunhão onde imaginou ser obra de deus aquela claridade dos vitrais revelando sob as vestes brancas do batismo as formas da virgem ali oferecidas bem na sua frente. naquele hora e naquele dia. enquanto recebia a hóstia, josé não parava o pescoço em busca do ângulo melhor para ver as coxas e quadris, que ele não se atrevia a chamar de bunda na igreja, mas que bundinha de nossa senhora de fátima, a lourinha de cabelos compridos, que mais tarde lhe lembraria a primavera de botticelli. tal lembrança até hoje lhe provoca arrepios de fé tal qual imaginara tocando aquele altar de pelinhos em castiçais doirados.


entre os cocorotes do colégio de padre, futebóis de quase batina, mangas chupadas em contrição e idéias mil sobre a eva das cobras e maças, josé crescera numa adolescência dividida entre o sagrado e o profano, ambos com seus rituais de iniciação onde o incréu desdenhava da fé e vice-versa.

já homem, toda semana-santa era um drama. carne na sexta sacrilégio dos bons. ainda que fizesse pouco caso das demais recomendações extenuadas da igreja, carne era coisa que evitava dos alpendres aos becos, qualquer uma, até mesmo de rã e caranguejo. e assim sendo, punha-se a masturbar o relógio como se isso apressasse o fim da sexta penitência rumo ao sábado de aleluia.

vontade de carnes em sangue, vitrais cortando coxas, unhas rasgando bifes, sexo comido em ranhuras, bocas que sugam lábios de onde o forem, sexta passada em vidas de bifes mal passados. chamem a isso tesão, tentação, suplício, penitência ou o que fosse. josé queria carne. carne que lhe queimava suores de homem que já não se aguentava em recordações de fátima. que fazer, ainda cedo, nem dez horas da manhã, e o desejo repicando-lhe a testa? carne, mulheres, sexta-feira santa, cocorotes, vitrais, sofrimento, hóstias, fé, desejo, elevação, depravação, agonia, extase, prostação e cor púrpura em todas as vestes.

piranha não é carne, mas é peixe, símbolo antecipado da cruz, argumentou josé em um dos raros momentos que pegou-se a conversar sozinho, já que nem no mais profundo desespero, inanição ou bonança, acostumava-se a idéia de dialogar com quem quer que seja senhor dos espíritos e das almas que elevam ou afundam os corpos.

e assim, dito e feito, adentrou ruelas laterais de igrejas, e chamou a si todas com nome de santas entre gestos de adoração e blasfêmia. piranha não é carne, repetia, enquanto os ponteiros cruzavam a sexta acompanhando a agonia dos crucificados como ele.

e a tal ponto convencido que em plena manhã de sabádo de aleluia satisfazia-se com o rabo de uma piranha comida aos nacos na noite anterior, satisfeito pela descoberta que a piranha ainda supria-lhe de caldo na manhã seguinte de um chupa-chupa cerimonial.

por fim adormeceu e morreu em paz. entalado pela própria angústia desfiada em mandamentos de carne e genuflexão como espinhas de peixe em forma de crucifixão.

como um santo, disse uma das pirainhas, emprestando-lhe escapulário que nem de longe lembrava nossa senhora de fátima.

carcomido de céu, josé subiu aos céus nos prazeres da carne como um santo em sacrifício ao inverso entrecortado de luzes que não se sabiam vindas dos vitrais da memória.

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