uma singela homenagem ao ator gigante( emiliano queiroz) que preenche até hoje nossa memória com seu dirceu no bem amado. |
houve um tempo, em que para não perder, até pensei em inopinadamente sempre anotar. não sei se por vaidade ou se por temor de não mais lembrar, pois, convenhamos, é grande a pressão sobre os mais velhos, sempre lembrados de que não tem mais a mesma memória - chego a pensar que muita gente teme, em demasia, as memórias dos mais velhos, gente de rabo preso ou boca cheia do que não presta, ou porque fomos testemunhas involuntárias das suas masturbações fora de hora. masturbação tem mesmo hora? sei lá, isso também quase esqueci. mas temais! infiéis, que disso lembro de vez em quando, e de outras coisas mais.
frases de efeito à parte, refiro-me as anotações de ideias, coisas simples, uma frase bem humorada, chiste na maioria das vezes, pequenos poemas em prosa, hai-kais, as vezes letras de canções inteiras, quando não contos curtos, que nem deu tempo de correr para se esconderem debaixo da mesa, ou alçarem outros voos, isto quando não estou na escrivaninha, móvel hoje que nem nos antiquários se acha com facilidade.
tinha de ser rápido, vinha o fio, o flow, ou o fluxo, e em muito pouco tempo, segundos, algumas vezes, lá se iam o que veio borboleteando meu pensamento. inúmeras foram as vezes, que noutros afazeres menores - mais nunca menos importantes, tudo a fazer é importante - ou mesmo por preguiça de interromper à sesta, ou a olhadela na calçada, ou porque estava a tirar carrapatos nos meus cães, ou em meio ao xixi, que não o fiz de pronto. e, pronto, já havia esquecido. ficava apenas a mancha de que alguma coisa havia estado no meu pensamento, e que, sim, teria valido a pena anotá-la.
chegou a um ponto em que vi-me quase em dilema obsessivo: tornar-me-ia um anotador compulsivo, não deixando passar nada em branco, ou relaxar, e anotar o que desse, ou o que mais perto achasse que valeria a pena. foi um zig-zag nestes tempos, um corre dali, um para daqui. um lembra acolá, um já me esqueci do agora. e assim por diante. puxa! anotar tudo em todos os lapsos a serem preenchidos é mesmo tarefa que exige muito espinafre. e eu nem sou o popeye nem nada.
mas tudo agora passou. graças! não ao espinafre. mas a doses profiláticas de gin, sim. não que eu tenha perdido a memória ou que as "borboletas" não me venham a mente. tem vindo cada vez mais, as vezes em enxames. mas isso não mais me perturba ou altera o ritmo da minha disponibilidade.
afinal, descobri que, tão ou mais importante do que anotar, o que muitas vezes nem será o poema, o conto, a canção, que gostaria de escrever, é deixá-las voar, soltas, esquecidas pelo que há de se esquecer em mim ou de mim para pousarem noutras mentes, noutras cabeças, em espaços, mesas, escrivaninhas, colos ou montes, bem mais férteis do que nos meus apontamentos.
vê-las voando, hoje, e quiçá amanhã, raiar do dia, fim de tarde ou já agora vagalume em meio a noite, dar-me-à muito mais prazer do que prensadas nos meus quase inconclusos folhetins de memórias, ora perdidas ora achadas, de asas quebradas pelo susto.
p.s. e quanto ao resto, esqueci. ah! mas como isso é bom. sequer fazia ideia. só de lembrar o que se esqueceu nós faz sofrer ainda mais. e o sofrimento não voa para longe, enquanto se mantém agarrado a nossa memória, ou preso, como borboleta amassada, em algumas página dos nossos escritos ou melhor, da nossa escrita de vida, quiçá para além do esboço.
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