Thursday, September 14, 2006

“baby face”

leva-se muito tempo para ser jovem, disse picasso.
eu já vou levando com isso a tanto tempo que devo estar encruando
encurralado entre os vinte trinta anos que não os terei mais
e a aparência que também mente pelo lado de fora.

52? quase todo mundo se espanta. não parece nada, o que me soa falso. o chato é que ninguém parece acreditar, até mesmo o insuspeito espelho. talvez a barriguinha discreta ajude no escape ao refletido, que só me enxerga as metades.

e olha que noites e noites viradas, decadas a fio, fundadas em adrenalina, aporrinhações, prazos, pressões, agonias, fumaça, farras homéricas, vinho e azinhavre, desta minha profissão, tida como infartadora de homens, em seus altos e baixos. roda viva quase instrumento de tortura, loucuras de uma paixão sem correspondência, na maior parte do tempo ao volume da descarga.

lembro que até os vinte, tinha vinte. aos trinta continuava com vinte. aos quarenta mal chegava aos vinte e oito e aos cincoenta finalmente cheguei aos quarenta, apesar de gente que ainda arrisca trinta e poucos, o que, assim também, peraí, já é um exagero.

eu por via das dúvidas nunca embarquei nessa. e estou fazendo força para que uma coisa corresponda a outra, de maneira que aprenda o suficiente para sentir-me jovem, por exemplo, aos setenta, se lá chegar, com algo mais que saudades do que nunca fui. guardarei pois a minha vaidade, lá do começo para empregá-lo como meio no fim de tudo.

gostaria de saber a minha exata situação etária pelo lado de dentro.
revolvendo as entranhas e resolvendo as cavas das gorduras que apontam um coração pihado pela vida, cada vez mais íngreme para a minha teimosia, na qual obstino-me em não ser o que todo mundo espera que eu seja, quão mais difícil fica a sobrevivência.

a vida anda a me comer com pressa, certamente. mas o tempo anda esculpindo bem devagar a minha cara do futuro.

por isso, ainda ando com um cara de passado. o que enganosamente muita gente pensa que é um presente.

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