Friday, March 10, 2006

the stranger

a maioria das pessoas sente-se infeliz em estar num lugar, cidade onde ninguém as conheça.
perdem-se e atonitroam-se sem os seus sinais e marcas de referência. o que inclui até mesmo aqueles parentes detestáveis. para elas a felicidade é lugar conhecido. mesmo que repleto de modorra e até mesmo de infelicidade, já que tanto temem a felicidade ou a infelicidade desconhecida.

sinto-me estranho por tal . para mim é uma felicidade tudo isso de poder caminhar sem encontrar os mesmos rostos soturnos de sempre. as mesmas meia-janelas semi-fechando-se por entre vultos, os incontáveis bom-dias e como vai burocráticos. a mesma vizinhança a condoer-se dos incômodos da vida, até da minha indiferente passagem.

para desgraça minha, salvação haveria se temesse a chuva e os temporais. não há.
sinto-me ainda mais feliz. os pingos batendo no rosto, as botas e pés encharcados fazem-me criança a produzir barulho e não velho a bradar impropérios. abraço-me num velho jaquetão de guerra comprado na feira da ladra, após sair da alfama, e bebo os pingos de chuva como quase refrigerantes.

súbito, tantas vezes, torno-me o " tarado da chuva". abro o casaco e a deixo-a entrar, até o ponto de eriçar-me os mamilos. mas contenho-me, haverá um dia em que o farei, para não dançar o sing in the rain na esquina de alguma rua de santo antônio de lisboa, pra quem não sabe bairro da ilha, de florianópolis.

talvez se fosse um homeless a sensação seria diferente, pesar-me-ia a fome, as dores nos ossos, a roupa ainda mais suja dos anos e o cheiro de urina a afastar os gatos.

estranho. ainda assim me parece que não. talvez eu não tenha precisão de nada mais que a imaginação de que nalgum lugar haverá um estranho como eu a observar com naturalidade que as folhas mortas pelo chão são um tapete de vida e que eu também estive alí para além das minhas pegadas.

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