Friday, March 24, 2006

sustain

dias de chuva a janela. feito menino hoje sou homem impermeável. em mim nada que vem de fora molha, mas, sim, chovo por dentro de vez em quando. principalmente quando vejo os olhos da utopia buscarem os meus no castanho de um cão abandonado. aí eu tenho vergonha do homem que sonha sem latir e condoer-se com seus uivos e suas costelas, mais que tudo sua sarna incandescente.

não, minha alma não encolhe. sou ecologicamente integrado ou seja. mesmo quando estou na merda, não poluo o mundo. aprendi a feder em silêncio abissal. responde-me que sim uma passarim miudim na ponta de um beiral. enquanto todos correram para o abrigo ele permanece ali mordiscando as gotas que ameaçam encharcá-lo. depois faz o que não consigo fazer. estreme o corpo todo, como arrepio, não de morte, mas de vida, e lança de novo desafio, quase enxutinho, metido a besta, como ele só, mas na enormidade da graça das pequenas coisas que assombram telhados.

enquanto observo o tal pássarim e penso em escrever um artigo para o acontecendoaqui e para o cemgrauscelsius, devadip goteja nos fones. fase posterior ao carlos santana de abraxas, festival, santana III e que hoje fez um discos de amontoados de cantores que precisará esquecer como nós vamos. a guitarra de santana, não importa se a velha les paul gibson, a cópia da yamaha ou a prs(paul red smith) tem um timbre especial. empurra para dentro as ceras do ouvido, as espinhas do rosto, o pus da cáries, os bichos dos pés, e transforma tudo em lotus. santana ou devadip como queiram, tem a particularidade de ensinar que a profundidade dos solos é inversamente proporcional a velocidade. transita entre a intensidade tímbrica e um feeling em extinção um som que nos leva para perto das entranhas do deus homem, muito embora, ele só veja nisto espiritualidade.

aumento o volume e procuro o passarinho. já foi-se. atenho-me ao beiral catarinense. dou um pulo na geografia e já vejo-me com asas para recordar-me de pedro paixão, escritor lusitano de produção prolixa, num artigo quando estando na alemanha, numa cidadezinha pequena, caminhava alguma distância apenas para ver um quadro belo, pois a sua necessidade do belo era tamanha que não podia conviver sem ele.

eu hoje estou necessitando do belo, de conviver com alguma coisa bonita para além do pássaro que alteou-se para fora do meu alcance. preciso do belo para convencer-me, e a uns tantos, que mesmo na publicidade o belo é essencial e indispensável. e que sobretudo a procura do belo, leva ao exercício do prazer de fazer bem feito, que é tão belo quanto. e que nos torna melhores. mesmo que isso seja só para ganhar dinheiro.

o mundo anda feioso, e o vento do outono acende o frio que sinto ao ler que as geleiras chegam a portugal entre 2010 a 2020, diz um relatório americano, para o deixar ice cream, o que e foda.

tenho pouco tempo para achar o belo e não resisto ao humor abobalhado de dizer que nestes tempos a única pessoa que achou o belo, foi a mulher dele. mas o belo, ainda assim está preso.

belo deve ter descoberto que mais que a sua mulher - se punheta matasse esta senhora estaria morta há tempos - a liberdade é ainda mais bela do que a bunda, (já foi,viviane araujo) mais desejada do brasil.

e atrás dela todos andamos, não da bunda ou da bunda também, mas acima de tudo da liberdade. é de se esperar que não cheguemos a ela de um modo feio, o único possível a tantos e tantos até não mais contar

o beiral, por exemplo, nunca poderá alcançar a liberdade, salvo se optar por rebentar-se no chão. talvez seja disso que eu esteja falando.

dias de chuva a janela. onde terá ido incrustar-se o passarinho impermeável da liberdade ? no braço da guitarra de santana ?

1 comment:

Anonymous said...

um danado esse texto, me fez matutar. não sei quanto ao resto do mundo, mas a beleza me aliena um pouco. perco muito tempo com a beleza e pouco com as coisas necessárias em que pensar. isso é bom ou ruim? depende. há que ser um pouco fantástica e ilusória a vida, ou ela não resiste. nem nós.