Thursday, September 23, 2021

alô susan

da fotografia, amante ardoroso, ao tempo que atiça-me consciência de que tal arte, para além da paixão que desperta, e que pode nos consumir irremediavelmente, não tanto pelo embevecimento mas sim porque traz nas pregas do diafragma terceiro olho. aquele que flagra o instantâneo do presente, átimo onde passado e futuro eternizados, em tal coito sim e não fortuito, que a olhos nus jamais poderia ser visto. a fotografia é implacavel tanto ou mais sensível que seja. a fotografia nunca esconde, por mais que assim pensemos fazendo pose. a fotografia é intradérmica, intraespiritual, intraaureolar. ao contrário do que muita gente pensa, não cria fantasias ou novas realidades, tampouco aureolas misticas. ela as destrói, é a realidade nua e crua depois que retira as camadas, revelando a nós próprios rostos e nuances, e também o caráter, que mesmo sendo nossos não conhecíamos. é claro que há os profissionais de fotografia, que enveredam pelo princípio contrário. pequenos truques, cenários grandiosos, iluminação burlesca e se tem, não a fotografia da verdade, mas sim a da fraude. por isso os instantâneos são tão temidos, muito antes de serem "revelados", digital ou analogicamente, esta forma nalgum beco, ruela das outrora cintilantes ruas do centro, hoje abandonados da cidade. são deveras perturbadores, pois revelam, na maioria das vezes, o quão dissimulados e comezinhos somos. e não falo do produto de paparazzis. falo do instantâneo espontâneo, fruto do acaso e da necessidade de fotografar que, antes de ser vício, nunca virtude,  é maneira de viver, testemunhar outras vidas para além das que vivem tolamente os fotografados. na fotografia espontânea, bichos, plantas e gente, são captados na sua essência maior ou menor, por isso mesmo tão igualitária em sua apreensão de um tempo que não existe senão no tempo fotográfico, não sendo diegese, pois é a realidade onde nem humanos, nem deuses, tem consciência ou controle de sua infinita finitude. o fotógrafo é, antes de tudo, um taxidermista da borboleta que é o tempo, que ninguém nunca antes classificou.

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