Sunday, October 21, 2018

asas pra que te quero

"que´sta merda abana mas não cai!

o grito, algo cômico, algo pânico, veio lá das poltronas de trás. junto com a desaceleração da aeronave, que nos parece tranco, mais para "freio (travão) de arrumação"* - exatamente sobre a ponte 25 de abril, o que, ao alvorecer(a depender do seu horário de partida/chegada) é um sinal que estamos à breve tempo da aterragem; dá-nos a pista, do aeroporto de lisboa, agora chamado humberto delgado, na portela. o que não me permite, nem lhe dá o torto de fazer, trocadilho barato, com porteira de chegada, que experimentei primeira vez, no já longícuo 1991, que nem em vôos de coração consigo recompor. dai em diante, de 96 a 2002 foram sensações tantas, iguais e díspares, por cerca de dez vezes, trancos tantos, que ainda assim, hoje, já não me abanam, já que não saio mais do chão, pousado nos roídos das paixões que aconteceram ou deixaram de acontecer, justamente porque não mais abanei o rabo daqui.

quem já foi a lisboa, saindo do brasil, sabe bem o que é isto. da primeira vez, realmente, assusta. das outras, nem tanto. mas "o peso do ar" faz o pássaro mais parecer que vai rugindo, mugindo, desandar ao mar, tamanha tonitroância das turbinas, o que não me deixa, embora gostasse, de chamar de arrulhos, tentativa que chamarei de poética, pra não dizer patética, entre as tantas que ensaiei nas chegadas e partidas à nova casa de além mar.

a tap, e a seus aviões, devo o início da compreensão da lógica cartesiana da expressão do pensamento, pelo menos cotidiano, português. o que me facilitou a vida, pessoal e profissional, bastante conveniente a um homem das letras publicitárias, afastando-me das anedotas farofas, que brasileiros, os tais que se acham providos de (falso) humor(para além do mau), costumam usar para tripudiar da "falta de inteligência lusa". mas quando percebemos que os aviões lá descolam, e não decolam como cá(e aterram/aterragem, e não aterrisam, como dizemos, o que está mais perto de aterrorizante) se não formos mais estúpidos, do que costumamos ser, vemos o quão é genial o sentido. afinal, aquela " merda que abana mas não cai", e que pesa dezenas, dizem alguns centenas de toneladas, consegue descolar do chão, não sabe-se lá muito bem porquê - dizem alguns que é a tecnologia, eu acredito que deve-se tão somente a fé do piloto -  e isto posto, eis-me aqui no trocadilho patético, é "muito descolado", fixe, dir-se-ia por lá, gíria(diriam calão, os portugueses) "das antigas, assim como meus tempos naquelas terras, dos quais, com passar do tempo, já consigo descolar-me, não sabendo ainda se tal descolagem é para o bem ou o mal.

do dezembro de 2002, até meados de 2017, mesmo sem sair daqui, fiz e refiz as viagens em vôos passados, e a querer futuros. mas fui perdendo empuxo, o que é natural, até para os aviões. com o tempo, salvo para os obstinados mais que tudo, que não é o meu caso, todos perdemos força. e ganhamos peso a mais na fuselagem - quando não nas vontades sonhos e memórias. e assim fui ficando cada vez mais com o pêso dos tempos, se não no corpo - talvez fosse preferível - nos sonhos e nas vontades de alçar o que quer que seja(sim, o tesão também fica pesado).

nem pássaro, nem avião, grudado ao chão de distâncias cada vez maiores, diria hoje o passageiro lá bem atrás, nas poltronas e no tempo: cuidado que esta merda agora abana, e só cai.

e assim lá vou eu abanando, e caindo para o alto, nas asas da canção, porém sem mais nada espreitar para além da falta de ar.

* quando os ônibus, sempre cheios no brasil, estão com passageiros mal distribuídos nos auto-carros(ou muito à frente, ou muito atrás) os motoristas acionam o freio subitamente, o que faz com que os passageiros se desequilibrem e assim recomponham sua distribuição(mas nem sempre o equilíbrio é conseguido, quando não, muito pelo contário: abanam e caem).
  

         

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