Saturday, June 23, 2018

por trás do espartilho

the broken column, frida kahlo

talvez por educação formal (e informal) da profissão - sou redator antes de tudo - não me deixo levar, tampouco impressionar, ou sensibilizar, pelo lugar comum, pelo déjà vu, pelas frases feitas, pelos bordões, dito populares, pelas figuras de linguagem, analogias de camelô, metonímias rasteiras, sobretudo abomino eufemismos, e metáforas rasas, cacofonias e pleonasmos então? nem vou aprofundar.

pois bem, quando se trata de amor, minha nossa! o repertório do que detesto promete. começa e finda pela bucha do "coração partido", que ninguém merece mais. 

o coração, tal como o sabemos, não é lá orgão que se preste a partição, sendo isto figura ou não. o coração esbagaça-se, desmancha-se, entumesce, deteriora-se, mas sua partição é algo que dificilmente acontece na natureza dos fatos. mesmo que ele leve um tiro de calibre 50(ou machadada) vai pro caralho, mas não se parte em bandas, tal como imaginam músculo bovino semi-congelado, retalhado em açougue. pode até ser fatiado por algum serial killer gourmand. mas partir? no sentido de quebrar em partes contadas ou como estilhaços de cofrinho ou quebra-panelas, eis o improvável batendo forte por aqui.

então, porque raios cristalizou-se esta patologia poética do "coração partido" quando se fala de amores inconclusos, perdidos ou das tristezas do abandono?
puro eufemismo meu caro, olha ele por aqui.

quando se trata de dores de amor, elas não vem do coração. vem de algo bem mais terrível e doloroso: vem da quebra da coluna vertebral, a espinha dorsal que fica engasgada, muitas vezes para o resto da sua vida, em vários lugares que não o dela. e a quebra da coluna vertebral você já pode imaginar os estragos decorrentes. menor delas a dificuldade de retomar outra vez o passo.

coração, até por transplante se dá um jeito. já coluna, quando quebra, por porrada, mal-jeito ou por conta de amores interditos ou não, eis o ser humano fragmentado, quando não paralisado, tetraplégico de emoções, e de uma forma dolorosa a tal ponto que faz parecer que as dores do coração tão decantadas, não passem de dormência passageira.

frida é kahlo é única, porque viveu na coluna a nossa percepção eufemística de tais dores. e foi direta ao ponto. expondo a fragmentação de uma vida dolorosa, por questões de saúde, e de amores, vivida de forma algoz em que a dor tornou-se catapulta para a explosão artística, onde a beleza emergiu da tragédia de suas dores em multi-coloridas formas cuja partenogênse foram a poliomielite e mais tarde amputação da perna em consequência.

bem disse o veloso(não o rui mas o caetano): "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". frida, o sabia como niguém. nós, não: ficamos na chorumela do coração partido, misturando saliva furtiva e lágrimas desgarradas ao som de corazon partio - alejandro sans - (que se for ouvido na versão dueto com ivete sangalo, puta que pariu! que desgosto).

portanto caro leitor(a) mantenha a coluna reta - mesmo que ela esteja rachada - e não se deixe partir por quem já foi acreditando que partiu seu coração.

frida pintando a vida como ela o é

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