cada marca no meu rosto
é um gosto
um desgosto
um posto de observação
um ponto observado
um susto e uma sorte
um corte e cicatriz
uma atriz e meretriz
um cão guia e um sem dono
uma vigia pro mundo
uma vigília pra morte
um sinal de vida
um assombro e um êxtase
um ponto e vírgula e nunca um ponto final
cada ruga do meu rosto
é uma marca
das maças que não comi
dos croquis que não finalizei
dos amores que perdi e dos nos quais não me achei
é marca das procuras sem resposta
e das respostas sem perguntas
dos desamores perdidos
de tanto desamparo
que pararam bem aqui
nas rugas ditas de expressão
que para muitos nada mais expressam do que decadência
o que demonstra que não sou eu o enrugado afinal
cada ruga que marca o meu rosto
é sinal de que ainda não há dormência
nem demência, porque ante o espelho
me contam historias que sabiamente não contam para estranhos
permanecendo caladas como pedaços de pele malfadada
escondendo as fadas que foram
e os pedaços de sonhos que nelas se tornaram
encapsulados
ingás por desvendar
em seus mofos guardados
cada ruga do meu rosto merece uma ode única
e que por isso mesmo
para a uma e outra não desgostar
faço no plural aquilo que me veio singularmente
segundo a cada seguido minuto a cada seguida hora
a casa dos dias anos e décadas
onde me reconheço
melhor ou pior
a depender da qualidade - e nunca quantidade-
delas
até que me torne
uma única e una
ruga só
quase um cumpizeiro
que o poeta gostaria de ver ao sol
mas que sequer será verruga em lua decrescente
ou barquinho de papel em esgoto
mas apenas
poeira e pó das sombras
que me seguirão a enfim repousar
no único lift que as rugas elimina
por definitivo
enquanto o infinito
finito
até ele
durar
não se transformar
em ruga também
por alguma rusga mais além
deserto
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