Tuesday, July 03, 2018

bom dia*


as portas da padaria, o cão vira-lata aguarda alguém que lhe seja capaz de dar bom-dia, com um pedaço do que seja pra comer.

contemplo-o antes de estacionar. de porte médio, pelo castanho, olhos caramelo, tem mesmo cara de gente boa, e já me ganha de saída, ou melhor, de entrada. se estiver aqui ainda quando eu sair ganha uma festa e um pedaço do meu café.

adentro a padaria para o habitual. o de sempre, confirma a moça do outro lado do balcão o que confirmo com um aceno - o de sempre é uma vitamina de banana, pão com ovo e um café médio sem leite (já basta o da vitamina).

do assento do balcão, que mais parece assento de guarita, elevo-me a condição de observador privilegiado de todos que estão dentro da padaria naquele momento. são cerca de vinte pessoas, entre crianças, adolescentes, um pouco mais, maduros e gente quase senil. nenhum deles tem um sorriso na boca. sequer naquele começo de manhã ensolarada. muito menos os empregados.
guardo pouco menos de um quinto do pão com ovo que é ainda um pão francês avolumado.

pago a conta e dou ao cão, esta altura já com crise de consciência.
pela espera, rabo abanando, e aquele sorriso de bom dia que só o otimismo de um cão enxergava naquela manhã, apesar de ser um cão de rua, merecia tomar café no meu lugar.
mas claro que num lugar onde os sorrisos estivessem a altura do sorriso largo do seu. bom dia de cão, que era muito maior do que de todos aqueles de uma padaria inteira.

*originalmente publicado aqui mesmo em dezembro,12,2007.

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