Uma hora não existe mulher nenhuma para mim no mundo. Não tem jeito, elas só ficam no ‘bla bla bla bla’. No instante seguinte, ficam rodeando você sem parar. E então você fica: uau! Quando troquei o desodorante, as coisas definitivamente melhoraram. Então é isso que elas querem? Fama? Dinheiro?
Ou é pra valer? E, claro, como você nunca teve chance com mulheres bonitas, começa a ficar desconfiado.
Fui salvo mais vezes por mulheres do que por homens. Às vezes, só um leve abraço e um beijinho, sem mais nada. Só me mantenha aquecido por essa noite, só um segurando a onda do outro enquanto as coisas estão difíceis, quando está tudo uma dureza. E eu digo: “Porra, por que você está se importando comigo quando sabe muito bem que sou um filho da puta e amanhã vou dar no pé?”. “Não sei. Acho que vale a pena”, ela diz. “Bom, não vou ficar discutindo”. A primeira vez que isso rolou foi com uma turma de mocinhas inglesas em algum lugar no Norte, naquela nossa primeira turnê (1961/1962). Depois do show você vai para o bar ou para um pub, e do nada acaba no quarto do hotel com uma garota muito, muito legal, que está indo fazer faculdade em Sheffield, estudar Sociologia e sei lá o que, e que decidiu ser especialmente legal com você. “Achei que você fosse uma moça esperta. Eu sou guitarrista. Só estou de passagem”. E ela diz: “É, só que eu gosto de você”. Gostar ás vezes é melhor do que amar.
No final dos anos 50, os adolescentes eram o novo mercado visado pela publicidade. Teenager é um termo inventado pela publicidade, uma expressão bem calculista. Ao chama-los de teenagers foi criado todo um movimento entre os adolescentes, uma espécie de autoconsciência, que originou um mercado não só para roupas e cosméticos, mas também para música e literatura e tudo mais. Essa faixa etária acabou sendo etiquetada à parte. E houve uma verdadeira explosão, um lote inteiro de púberes quebrando a casca do ovo e brotando naquela época. Beatlemania e Stonemania. Aquelas eram justamente as meninas que estavam morrendo de vontade de viver alguma outra coisa. Quatro ou cinco sujeitos magrelos ofereceram a válvula de escape, mas elas a teriam encontrado em qualquer outro lugar.
Nunca me esqueço do poder das adolescentes de treze, catorze, quinze anos, quando elas estão em bando. Elas quase me mataram. Nunca senti tanto medo de perder a vida como quando me vi cercado por adolescentes. Elas me esganaram, me rasgaram as roupas, a carne, e quando o bando entra nesse nível de frenesi, é difícil descrever, expressar o quanto é aterrorizante. Os policias fugindo apavorados, e então resta só você diante da carnificina que essas emoções descontroladas podem causar. Acho que foi em Middlesbrought. Eu não conseguia entrar no carro. Eu tentava entrar e aquelas malditas me arrancavam os pedaços. O problema é que quando pegam você, não sabem o que fazer. Quase me estrangularam com um colar, uma ficou agarrada nele de um lado, a outra puxando o colar do outro, “Keith, Keith”, e enquanto isso me esmagavam. O motorista entrou em pânico. O resto dos caras já tinha entrado no carro e ele simplesmente decidiu que não estava a fim de esperar. Fiquei ali, sozinho no meio daquela aldeia de hienas desvairadas. A próxima coisa que me lembro é de que acordei num beco perto da porta de acesso ao palco, porque evidentemente os policiais tinham tirado as pessoas. Eu tinha desmaiado por sufocação. Elas todas estavam em cima de mim: “O que vocês querem de mim agora que me pegaram?”.
Lembro de uma cena de contato real com essas meninas, um momento completamente inesperado, uma vinheta. O céu está carregado, dia de folga! Subitamente despenca uma tempestade. Do lado de fora do hotel vejo três fãs das mais fanáticas. O penteado bufante delas está sucumbindo sob a força das águas, mas elas não saem de lá. O que o pobre músico pode fazer? “Entrem aqui, meninas”. Meu cubículo está agora entupido com três garotas encharcadas. Elas soltam vapor, tremem. Ensopam meu quarto. O penteado das três, um desastre. Elas estão tremendo por causa da tempestade e porque estão no quarto de seu ídolo. Reina a confusão. Uma coisa é tocar do palco para elas, outra é ficar cara a cara. Toalhas se tornam uma coisa muito importante, assim como o banheiro. Elas fazem uma precária tentativa de se ressuscitar. Todos nervosos, tremenda tensão. Eu lhes ofereço café temperado com bourbon, mas não há nem vestígio de sexo no ar. Ficamos sentados conversando e rindo, até o céu limpar. Eu chamo um taxi para elas. Despedimo-nos como amigos.”
("Gostar às vezes é melhor que amar" (by mac) - Trecho de “Vida”, autobiografia de Keith Richards lançada no Brasil pela Editora Globo)
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