Tuesday, December 06, 2016

contra-dança





há quem diga que a velhice nos traz sabedoria.

duvido muito. e quem, minimamente sábio, não duvidaria? tamanha a patetice, quando não a idiotia ou estupidez crônica, ainda mais a política e religiosa, dos chamados portadores da "melhor idade".

aliás, aceitar esta denominação sem um sonoro "melhor idade no teu cu", em lugar do com as graças de deus, já demonstra que a velhice em nada é sábia.
contudo, dou-lhe o direito de retrucar que o meu escrito não tem sabedoria nenhuma, apenas estupidez.

mas que eu lavei a burra ,ah isso lavei. aliás, enquanto pensar assim talvez eu ainda esteja na melhor idade, aquela que não se conforma com o mundo tal como se nos apresentam - ou querem nos inserir nele - e que sabe na pele que a velhice nada traz de melhor,  sequer as sonecas.

a velhice é um fardo intolerável - ainda mais se você conservar as tais lembranças dos amores perdidos e dos bens que nelas ainda teimam em não se esfumaçar, tal e qual acontecido de verdade.

creio que a velhice é algo tão ardiloso - só muitos e privilegiados poucos sabem adivinhar seus enigmas e deles extrair melhor sortilégio - que em muito se enganam os que procuram aplacar seus males com médicos ou cientistas que sobre tal pronunciam-se com se já não estivessem sob o domínio da implacável senhora, prima-irmã do tempo.

isto posto, opto por seguir o conselho dos poetas - se seguíssemos os conselhos dos poetas em vez de tolamente os classificar de détraqués ou vagabundos parasitas, enfrentaríamos ou desfrutaríamos com melhor sorte dos afagos desfiguradores desta companheira que não abandona quem lhe chega não importa se por passos fortes ou trôpegos- e embebedo-me*. 

e embebedo-me não para fugir, ausentar-me ou alienar-me dela e sim para pegar a sua mão - num gesto mais ousado encher a outra na sua bunda - e dançar com maestria os últimos passos desta dança chamada vida, cuja parceira teima em nos pisar os calos, e acentuar os nossos fracassos e conquistas, com o bico túrgido dos peitos de quem domina um a um o cio dos ciclos finitos, todos eles, dos mesmos contidos aos contenedores da infinitude de todos os tempos, dos findos, ou daqueles por findar e iniciar dos quais não teremos nem seremos lembranças. 


*embebedai-vos (charles baudelaire, em pequenos poemas em prosa - le spleen de paris)

É preciso estar-se, sempre, bêbado. Tudo está lá, eis a única questão. Para não sentir o fardo do tempo que parte vossos ombros e verga-vos para a terra, é preciso embebedar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, a escolha é vossa. Mas embebedai-vos E se, às vezes, sobre os degraus de um palácio, sobre a grama verde de uma vala, na solidão morna de vosso quarto, vós vos acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que passa, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, vos responderão: “É hora de embebedar-vos! Para não serdes escravos martirizados do Tempo, embebedai-vos, embebedaivos sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude: a escolha é vossa.”





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