Thursday, March 13, 2014

tá estranho ou cuidado para não sair por onde entrou e ou vice-versa




"Um sujeito trajando bermudas dessas com bolsos laterais largos, uma camisa esporte qualquer e um par de sapatos irrelevante vinha com um saco da tal farmácia na mão, acompanhado por alguém que parecia ser um velho amigo, daqueles com quem a comunicação oral já foi tornada quase dispensável pelo tempo. Mesmo assim ele dizia:
Estranho, velho... muito estranho. Muito estranho. Muito estranho... Tá estranho...”. A cada repetição da palavra, a estranheza ia ganhando peso e concretude, tornando-se mais indigesta, ácida e cabeluda. A que diabo de estranheza estaria aquele passante de short cargo se referindo afinal?
Aquilo magnetizou minha atenção de tal maneira que me fez levantar da mesa, deixar sobre ela óculos, xícara e outros pertences para tentar ir atrás por alguns metros e desvendar algo mais daquela mensagem cifrada que, apesar do curto vocabulário e do excesso de repetições, parecia conter uma dose incomum de sabedoria, especialmente se comparada à cota média dos comentários colhidos ao pé do ouvido naquele movimentado passeio público.
É violência, desigualdade demais, medo, economia zoada, gente pobre e rica se acabando no crack, o povo passando mais tempo numa caixa de lata com rodas tentando se mexer na cidade do que vivendo, uma pressão desgraçada e uma competição animal até para comprar um pão com manteiga na esquina, corrupção nojenta até nas esferas mais insignificantes do poder, empresas estatais gigantes à deriva, povo na rua reclamando e quebrando coisas a toda hora, gente amarrando ladrão no poste e descendo o sarrafo. Estranho... tá tudo muito estranho...
Tô pensando em ir embora disso aqui, véio...” foi concluindo nosso personagem enquanto amassava entre os dedos a boca do saquinho de papel com logotipos de laboratórios que trazia nas mãos."
( excerto do texto do paulo lima, publisher da trip, sobre conteúdo principal da edição)


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