corto a carne
sem cebolas
destemperado
e sem sal
caralho
e antes que faça bife dos meus braços
desosso músculos
e chego às veias
onde não corre sangue nem mel
sem surpresas
pra que cortes? ô estúpido!
murmura em salmoura
alma desfiada
já havia cheiro de carne oficina
em cada esquina dos amores
embriagados pela púrpura
ora dos fracassos ora dos acertos
que tudo acaba na mesma valsa
dependurado no corpo
estes pedaços expostos
e os que se guardam atrás do balcão
perfazem o corpo dilacerado em vida
é que se dilatará em morte
é a tal coisa
peça picanha e se contente com coxão mole
ou então faça sopa de ossos que
não existem amores gourmets
amor é carne de pescoço, lagarto, costela seca, ponta de agulha, cupim e outras paletas chinfrins
ainda assim
para cada amor
a cutelaria da existência
recorta em partes
o animal inteiro
que não se reconhece avulso
no açougue dos amores atemporais
e se carne de cabeça tem sustança
é o tesão
o que bombeia todas as paixões (até as meias bombas)
que resultam almôndegas
após juntar os nacos que se quedam ao chão
a carne moída
dos abandonos em gancho
já ganha cartaz de preço baixo promoção em nome do coração
este pobre coitado
já pelancudo
que sempre leva com tudo
quando muitas vezes nem esteve presente
destarte
nada repugna tanto
quanto limpar esta sujeirada
madrugada a dentro
na escrita debalde
palavras a rodo
sebo nas galochas
para que de manhã o restabelecimento
esteja reluzente como um balcão de açougue ao levantar das grades
meus fregueses sempre elogiam o asseio do ambiente
ávidos por sangue romantizado até suspeitam da sujeira no retalho que ali houve
mas tamanha higiene do estabelecimento
que bem faz valer azougue seu nome
dão de ombros
e retocam a maquiagem na superfície espelhada do balcão frigorífico que pensam eles conservará suas faces
mas por trás das portas de serviço
avental luvas toucas
ainda não lavadas
já se tornam refúgio
das moscas varejeiras
que desconfiam que o homem pós labor
de mente desanuviada
só pensa agora em coloca-las no poema
desidratadas.
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