Monday, November 03, 2008

um olho no humano outro no prato

um fundo de garrafa pet mal cortado. o suficiente para que seja improvisado um comedouro para que o gato sarnento de rua faça as refeições que lhe propus dar.

nada demais, eu sei. no espaço das calçadas fronteiriças sempre que saio ele está lá. vigiando cada vez mais os meus passos e dando-me bom dia quando saio ou boa noite ou madrugada quando chego.

o gato de pequenos olhos amarelos tem linha. black-white, se não fosse a sarna a altura do pescoço, que lhe deixa quase parecendo um galo em petição de miséria, seria uma peróla em qualquer sofá de cobertura.

penso que se tiver acesso a alimentação que não seja provida azeda ou quase-podre pelo lixo, sua sorte pode melhorar. não há de alcançar o sofá, mas alcançará mais rápidos muros e outros roteiros de fuga. já que na vida de rua, olho vivo sem forças, não basta para sobreviver.

com o gato aprendo que existe algo que não melhora. não a sua sarna, mas a enorme coceira humana em sua sina de sarna. já perdi as contas das vasilhas que andei a cortar para improvisar o tal vasilhame onde o tal gato possa se alimentar. mal as coloco, e sempre tem alguém a chutá-las, despejá-las, roubá-las, enfim, desaparecem como se o destino raso a que se lhe destinam agora fosse algo mais importante do que matar a sede e a fome do gato que tem linha, apesar da sarna, coisa que decidamente os humanos, adultos e crianças, que somem com a vasilha não tem.

para não perdê-las, fico de vigia, e o gato, que aprende rápido, como se já não soubesse o que é o dejeto humano após tanto tempo na rua, come o mais rápido que pode, para tentar salvar o pescoço: um olho no humano, outro no prato.

um simples vasilhame de pet "malamanhado" acaba sendo o portal revelador de quem é quem neste mundo de chuta-vasilhas sem nexo: o gato sarnento que tem linha, e que não a perde. mesmo sabendo que sou eu que lhe ajuda, e que não chuto - nem vasilhames, nem gatos - mantém a distância, alertando-me para evitar o contágio com os sarnentos sem linha que indubitavelmente são os humanos e não o gato que ainda que sarnento seja o é de outra espécie.

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